sexta-feira, 27 de agosto de 2010

As Viagens do Aeliocóptero (pte 1) ou Capitão

   Lá estava ele. Imenso, colorido, reluzente, curiosamente familiar. Lembro como se fosse hoje. Eu seguira o brilho que vira entre as árvores até aquele campinho. E lá estava o aeliocóptero. Foi a primeira vez que o vi, mas soube o que era desde o princípio.
   O aeliocóptero estava pousado no meio do campinho e era tão grande que mal parecia caber onde estava. Mas cabia. Inspirei profundamente, por que a vasta imensidão do objeto zepelinesco à minha frente me dava vertigens. Precisei de alguns minutos para me acostumar. E de mais uns outros para perceber que carcaça do aeliocóptero era composta por milhões de placas de metal de cores diversas e tinha mais ou menos o formato de um submarino, mais ou menos o formato de um helicóptero e mais ou menos o formato de um hipopótamo. Sobre rodinhas de patins. Muitas rodinhas de patins. Dei uma volta no campinho para ver minha descoberta por todos os ângulos. Havia uma hélice atrás. Imensa, como todo o resto. Mas não achei nenhuma porta...
   Bastou-me fazer essa constatação para que se abrisse lá em cima uma escotilha. A questão agora era como chegar lá e eu demorei alguns minutos para perceber a escada de barras de ferro amarelas bem à minha frente.
   Largando minha mochila, comecei a subir. Era estranho como toda a estrutura parecia ranger a cada movimento meu, mas talvez fosse só impressão. Mais rápido do que me parecia possível, terminei a minha escalada, encontrando-me, assim, num enorme plano de placas metálicas coloridas, com uma hélice no meio, muitos metros a cima do chão. Eu preferia não pensar nisso. Fui direto até a escotilha aberta e entrei, sem pensar duas vezes. De lá de dentro do aeliocóptero, uma voz roufenha me convidou a descer pelo cano que ficava bem no meio do tubo metálico e ia até sabe-se lá onde. De olhos fechados, me agarrei ao cano e escorreguei, escorreguei, escorreguei e continuei escorregando.
   Num certo momento, abri os olhos e percebi, com grande surpresa e certo alívio, que já poderia pular para o chão, que era feito de placas de metal prateado e polido que estalavam com meus passos.
   – Ora, boas vindas, jovem! Você chegou bem a tempo, estávamos apenas esperando você para partir. Um aeliocóptero como esse precisa de tripulantes, você compreende – a figura que me disse isso era o mais condizente impossível com a voz que tinha. O velho usava um uniforme azul marinho pomposo e de aparência muitíssimo oficial. Poderia ser da marinha de algum lugar. Ou da aeronáutica. Ou do exército. Não dava para ter certeza. E sob seu chapéu seus cabelos pareciam feitos de algodão. Nada arrumados. Seus óculos eram tão fundos, mas tão fundos que seus olhos não passavam de dois diminutos borrões escuros.
   Aquele era o Capitão, e isso ficou evidente desde o primeiro instante. E logo ele me mostrou a Sala dos Botões, de onde se controlava o aeliocóptero e onde eu o ajudaria a fazer milhões de coisas. Mas primeiro eu tinha que saber como aquela sala funcionava, o que não era nada simples. O nome não era desmerecido, havia botões por todos os lados, e acho que nem o Capitão sabia para o que serviam eles todos. Não demorei muito para perceber que o aeliocóptero poderia ir para qualquer lugar, ele podia ir por terra, água, ou ar, e suspeito que aguentasse uma viagem no espaço. Era um veículo veloz e resistente, que, segundo o Capitão, sempre existira, bem como ele mesmo.
   Na sala dos botões havia uma janela imensa, que eu não vira pelo lado de fora, por ela eu só via o céu, agora. Nos primeiros dias, não vi nenhuma outra janela no aeliocóptero. Na verdade, não cheguei a explorar o aeliocóptero inteiro, fiquei apenas na sala onde eu chegara e na Sala dos Botões. E também num quartinho que eu achara, que devia ser uma espécie de armário de vassouras fora de uso. O Capitão me deu um colchonete, uns cobertores e uma almofada, para que eu me instalasse melhor no meu quartinho. Não sei de onde ele os tirou.
   Na verdade, não explorei melhor o aeliocóptero por não achar portas que levassem a algum lugar que não meu quartinho ou a Sala dos Botões, e dessas achei várias. Achei inclusive uma porta que levava ao tubo pelo qual eu entrara. Não sei também de onde vinha a comida, que normalmente aparecia no meu quartinho a intervalos irregulares. Nem sei para onde ia o Capitão quando ele sumia, o que acontecia com frequência, mas durante períodos curtos de tempo. Aliás, o Capitão não parecia dormir ou comer, nem se dar conta de que só havíamos nós dois naquele aeliocóptero imenso, não raro referia-se à sua tripulação como se extensa.
  – Mas cadê essa tripulação, Capitão? Nunca vi ninguém por aqui! – perguntei certa vez quando já devia fazer uma semana que eu estava no aeliocóptero.
  – Ora, eles vão chegar, eles vão chegar. Você não chegou? Eles chegarão como você, basta que continuemos nossa viagem...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Primeiríssimo e inaugural ou Entre Parênteses

   Eu tinha uma ideia. Juro que tinha. Mas ela fugiu.
   É interessante como as ideias têm vida própria. Elas nascem, crescem, se desenvolvem, por vezes se reproduzem, às vezes morrem. Mas o mais curioso mesmo é que elas têm vontade própria. E, assim sendo, eventualmente fogem. Principalmente as jovens e adolescentes (a ideia em questão era uma jovem reacionária). Algumas voltam um dia, famintas, mirradas, carentes, essas voltam quando estamos quase dormindo. Outras voltam impetuosas, diferentes, amadurecidas, maiores em todos os sentidos. Essas voltam quando bem entendem. Se entendem.
   Na falta de uma ideia (de uma boa ideia, visto que ideias não me faltam), começo com uma explicação.
   A palavra aeliocóptero surgiu na boca de um amigo meu que ia dizendo helicóptero. Estávamos numa excursão escolar um tanto quanto tediosa e na falta do mais que fazer, comecei a imaginar o maravilhoso mecanismo digno de tão fabuloso nome. Uma máquina capaz de fazer qualquer viagem imaginável e mais além, não importa para onde, não importa a tripulação. Algo como uma mistura do Yellow Submarine dos Beatles com um helicóptero, na aparência. Não parece sensacional?
   Nada mais a declarar. Por hora.