quarta-feira, 18 de maio de 2011

As Viagens do Aeliocóptero (pte 7) ou Sofia

Viajávamos por sobre as nuvens que, antes ameaçadoras, formavam agora um tapete branco e macio onde o Aeliocóptero deslizava mansamente. Vi Carlito mais algumas vezes, mas só quando ele me procurava – ele sempre sabia onde me achar e não importava onde estivesse sempre havia um lugar para o fogo.
Isso era uma coisa que eu ainda não percebera no Aeliocóptero. Absolutamente todas as salas, quartos e jardins tinham algum lugar destinado a Carlito. Fosse uma fogueira, uma lareira, um fogão ou mesmo um aquecedor – como era o caso da Sala dos Botões – sempre havia um lugar para onde ele poderia ir, levando seu fogo. Um lugar que não colocava o cômodo em perigo de incêndio e ao mesmo tempo oferecia uma boa visão de tudo. Carlito podia ir para onde bem entendesse.
Alice passava longas horas conversando com Carlito sobre tempos que ela não parecia ter idade para ter vivido, mas que faziam parte dela bem seus olhos imensos e o sorriso de cantos pontiagudos que eu aprendera a ver. Eles não se importavam com a minha presença e eu simplesmente adorava ouvir tantas histórias de tantos lugares e tempos tão diferentes, então passava longas horas assistindo as conversas dos dois. Foi, aliás, durante uma dessas conversas na Sala da Lareira que o Carlito me disse que saísse da sala e abrisse um alçapão que eu acharia no fim do corredor, à esquerda.
Abri, caindo num jardim interno que eu reconheci. Andando pela grama alta que balançava ao vento, avistei uma figura, ainda um tanto longe de mim. Corri até Ernesto, que olhava para o céu, o rosto erguido, as mãos sombreando os olhos.
– Eh, como você chegou aqui, jovem? – perguntou-me sem desviar os olhos do céu. Procurei o que ele encarava tão fixamente sem encontrar nada.
– Carlito. Tem um alçapão por onde se pode chegar aqui, não precisávamos ter trazido as cabras pelas escadas... – perscrutei o céu a procura de um pontinho que fosse, sem ver nada além da imensidão azul ao meu redor. – O que você está procurando?
– Sofia. A Branquinha me disse que ela vai chegar hoje, achei que seria educado vir recebê-la. Ela e o irmão sempre foram muito gentis com as meninas.
Branquinha devia ser uma das cabras, talvez a menor, e eu já ia perguntar quem eram Sofia e o irmão quando Ernesto continuou:
– Ali, acho que agora você já pode ver, criança – disse, envolvendo-me com um braço e apontando para o céu – Lá, vê? Um pontinho se aproximando de nós. É Sofia, com certeza. Agora é possível ver com clareza, antes poderia ser um pássaro...
Apertei bem os olhos, imaginando que tipo de criatura seria Sofia, que vinha pelo céu e não era um pássaro. Procurei o pontinho de que Ernesto falara, sem entender como ele via alguma coisa além do azul. Apertando os olhos um pouco mais eu vi um pontinho preto muito, muito distante.
E o pontinho se aproximou. E aumentou um pouco. E então um pouquinho mais. E mais um pouco. Agora era quase fácil vê-lo. Então ele se aproximou mais e mais e cada vez mais e mais rápido.
Até que eu vi que era um pontinho colorido com alguma coisa que parecia pendurada. E o pontinho se aproximou mais, tornando claro que era composto por vários pontinhos coloridos que carregavam algo – ou alguém – pendurado. Ernesto acenou sorridente para o pontinho, cuja parte pendurada pareceu retribuir o aceno, ainda se aproximando.
E foi se aproximando cada vez mais, até aterrissar na minha frente, na forma de uma menina muito clara, longilínea e sorridente que segurava, amarrada em cordinhas, uma infinidade de bexigas de borracha de todas as cores que se espalharam e encheram o céu quando Sofia as soltou, esticando as mãos para Ernesto.
– Ernesto! Olá! Bom estar de volta. Alguma notícia do meu irmão? – disse, numa voz cristalina, abraçando-o calorosamente, erguida nas pontas dos pés.
– Ainda não, minha querida. Mas tenho certeza que ele logo chega, vocês nunca estão muito distantes um do outro, sabe disso. – respondeu Ernesto com uma piscadela gentil.
– E você, quem é? – Sofia virou-se para mim, surpreendentemente leve e simpática, com um sorriso caloroso estampado no rosto. – Tripulação nova?
– É, eu ajudo o Capitão. – respondi com orgulho, estendendo minha mão e recebendo com grande surpresa um abraço forte.
Descemos a pequena colina onde estávamos em direção à escada que nos levaria ao interior do Aeliocóptero propriamente, Ernesto de braço dado com Sofia, que caminhava elegantemente, cantarolando, uma leveza expressa em todos os seus membros tão claros que quase eram transparentes. Era como se ela não tivesse cor alguma, como se todas as cores compusessem todo o seu corpo, sem carne, só cor. E tanta cor que nem cor não tinha.
Sofia era uma criatura agradável. Para todos, sem exceção. Carlito a adorava, Aldo lhe fazia gentilezas e Alice lhe sorrira franca e abertamente o sorriso mais incrível de todos. Mustafá roçava-lhe as pernas, o Cozinheiro preparou bolinhos sensacionais em sua homenagem e do Capitão nem se fala. Era fascinante vê-la se mover, ouvir seu cantarolar que se propagava pelo Aeliocóptero e era ouvido de todos os cantos, como um guia para quem a estivesse procurando.
Comecei a pensar se ela não estaria tentando chamar o irmão de alguma forma, pelo que todos diziam, ele devia fazer-lhe muita falta.
– Levi vai encontra-la sem que ela o chame, esqueça isso. Ela sente falta do irmão, por isso cantarola. Você vai entender quando ele chegar, não perca muito tempo tentando desmistificar Sofia, faça coisas mais produtivas, criança. Talvez algum dia você possa desentender menos, mas acredite, você nunca irá entende-la. Você tem algo que eu possa comer? – disse Carlito para mim um dia que nós estávamos sozinhos na Sala dos Botões. Joguei para ele um bloquinho de papéis que trazia no bolso.
– Aposto que você entende. – suspirei, enquanto ele comia avidamente o meu bloquinho. Eu precisaria de um novo – Ei! Como você sabia que eu estava pensando nisso? Não disse nada a ninguém!
– Não, eu não entendo. E é claro que eu sei, criança. Sei tudo o que acontece no Aeliocóptero, não se esqueça disso. E sei que Levi não está longe. Na verdade ele está bem perto.

4 comentários:

  1. Parabens
    Vc escreve mto bem
    Estou ansioso pelos demais capítulos
    Mas pq não posta mais capítulos logo?

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  2. Aí sim
    Que pessoa para escrever essa Mariana
    Parabéns Mariana,continue sempre assim, admiro muito esse seu trabalho, que com muito carinho você faz,sei disso, porque convivo com você e sei de todo seu carinho e esforço para escrever o Aeliocóptero.
    Sei que você escreverá muitos e muitos livros.

    ''We belong together''

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  3. Muito muito muito bom! Estou esperando os próximos capítulos....

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  4. AAAH! a propósito... FELIZ ANIVERSÁRIO!!! *---* Muitos anos de vida e mtas felicidades!

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