sábado, 4 de dezembro de 2010

As Viagens do Aeliocóptero (pte 5) ou O Homem Das Cabras



Acordei na minha cama. Não pergunte como, a última coisa de que me lembrava da noite anterior era de ter um grande e apetitoso prato de um estranho mingau rosado na minha frente. E então eu acordara, na minha cama, confortável entre cobertas. Chovia, as gotas gordas batiam na janela e escorriam retas para baixo pelo vidro, ignorando o movimento do Aeliocóptero – movimento que eu aprendera a sentir, a saber com todos os sentidos do meu corpo.

E por mais nove dias continuou chovendo, o que me prendeu do lado de Dentro. Não que eu reclamasse, adorava ajudar o Capitão a dirigir o Aeliocóptero, que ia por terra, achando caminho por lugares improváveis quando necessário, na mata densa na qual nos metêramos e já saíamos, tornando o campo pelo qual andávamos cada vez mais aberto, e logo começamos a subir a Cordilheira.
Nas horas vagas, Alice e eu saíamos à caça dos cômodos secretos do Aeliocóptero. Descobrimos um quarto com guarda-chuvas e sombrinhas por todos os lados e outro que parecia muito pequeno e só tinha uma lareira que parecia grande demais para o aposento onde estava toda entalhada como as estantes do Labirinto. Achamos também um curioso pomar, anexado de uma horta, cheios de frutas e legumes e verduras estranhos, com os quais nos divertimos por algum tempo. Havia uma árvore cujos frutos pareciam grandes rabanetes roxos muito doces que, mordidos uma vez, deixavam a voz aguda, pela segunda vez deixavam a voz grave e achamos melhor parar por aí. O efeito durou um dia inteiro, e rendeu bons risos.
– Ora. Vamos ter que parar. – disse o Capitão, com um grande suspiro desanimado – Mover o Aeliocóptero nessa chuva está cansando o Carlito e nunca se sabe o que ele pode fazer quando está cansado. E eu tenho medo que ele se resfrie. Se bem que... Bom, de qualquer forma, é melhor parar aqui do que mais para cima.
– Mas por quê? – perguntei.
– Oh, é claro que você é genial o bastante para achar um lugar seguro e espaçoso o bastante para o Aeliocóptero parado lá em cima, não é mesmo? Aproveite para ensinar ao Capitão como se encontra um lugar abrigado da ventania da parte mais alta da Cordilheira, quando nós passarmos por ela. Genial, sem dúvida.
Enquanto Alice e eu nos fuzilávamos com os olhos, numa disputa que eu evidentemente perdi, o Capitão puxou uma alavanca que parou o Aeliocóptero com um tranco que quase nos derrubou.
Uma vez perdida a disputa com Alice, virei-me para perguntar ao Capitão sobre Carlito. Mover o Aeliocóptero?! Como assim? Mas, mais uma vez, algo me interrompeu assim que abri a boca.
O som alto, agressivo, metálico, tomou o lugar como se lá fora algo ou alguém esmurrasse raivosamente a parede do Aeliocóptero. Alice e eu nos encaramos e voltamo-nos para o Capitão que se entretinha apertando botões e puxando alavancas da Sala dos Botões aleatoriamente, sem propósito aparente e sem parecer importar-se muito com o barulho.
– Mas diabos! É impossível arrumar a Biblioteca com essa barulheira! Mas é claro que isso não é problema do excelentíssimo Capitão e seus preciosos botões, muito ocupado atormentando o pobre Carlito para se preocupar com o conforto da tripulação – resmungou Aldo irritadíssimo em sua azulez, atravessando uma parede que me parecia ser de metal bastante sólido.
O Capitão gesticulou com a mão como quem diz “bobagem”, sem desviar os olhos da alavanca que ele empurrava e puxava e tornava a empurrar e puxar.
– Bolas. – murmurou Aldo, chutando um quadrado de metal azulado na base da parede. Surpreendentemente, o quadrado se moveu silenciosamente para o lado, como que se esquivando do pé do Bibliotecário.
O movimento do quadrado abriu uma fenda que foi se alargando e crescendo à medida que as outras placas moviam-se para os lado, acomodando-se umas nas outras, até abrir-se um grande portal por onde entravam o vento com cheiro de grama e imensas gotas da chuva que era tão forte lá fora que não permitia ver a noite escura além do Portal.
Foi quando com um relâmpago fez-se um clarão reluzente que revelou um imenso vulto – ou uma multidão deles – parado ao Portal.
­­­– Mas finalmente, eh? – disse uma voz grave e balida, muitíssimo aborrecida e ligeiramente impaciente. – Estamos ficando molhados até os ossos, é o que eu digo.
– Ora, entre, Ernesto. Desculpe a demora. – disse Aldo, saindo pelo Portal e conduzindo a multidão de vultos para dentro do Aeliocóptero. – Não imaginei que aquela barulheira toda pudesse ser você. Quero dizer, você entende, não?
– Claro, claro. Você sabe que eu não reclamo por mim, mas pelas meninas... – disse o vulto do meio, que revelara-se um homem bastante alto e magro, que abraçava seu sobretudo verde estufado como se ali estivesse algum grande tesouro. Na verdade, assim que cutuquei Alice para perguntar o que ela achava que poderia vir a estar escondido ali, o sobretudo verde emitiu um balido alto e reclamoso, assustando-me. – Hoho! Saia, querida. – disse Ernesto, sorrindo ao abrir o sobretudo, de onde saltou uma cabra muito branca. Percebi então que a multidão de vultos que o acompanhava era composta por outras duas cabras, absurdamente gordas e tão brancas quanto a primeira. Na verdade, as cabras pareciam muito mais bem cuidadas que o homem de cabelos cinzentos e olhos enevoados que conferiam-lhe ares de louco. – Mas que chuva, eh?
– Mas que barulheira, isso sim! Ora, que barulheira que você fez, homem! – disse o Capitão, abrindo um grande sorriso e os braços para o homem encharcado à sua frente. Risonho, Ernesto atravessou a saleta em dois passos gigantescos e abraçou o Capitão.
– Há quanto tempo, meu velho! Há quanto tempo!
Encarei Alice interrogativamente, mas agora ela e Aldo discutiam aos cochichos o lugar onde ficariam as três cabras, duas das quais imensas. Aparentemente, as bichas, que agora roíam, satisfeitas, a barra do sobretudo do dono, precisavam de muita comida e de muito espaço para se exercitarem, o que podia ser potencialmente problemático de se arranjar. Entretanto, Alice e Aldo pareciam mais preocupados em como levariam as cabras para um lugar que ambos pareciam estar de acordo que existia e que seria um bom lugar. Pareciam também saber muito bem onde ficava, e falavam de um jeito que me fez acreditar que era um lugar um tanto inacessível. Para as cabras, ao menos.

Um comentário:

  1. Amoooooor
    Você é demais
    Mais uma vez me surpreendendo com o aeliocoptero, gostei mesmo,fico muuuito bom
    Continue assim forever,você é realmente ótima nisso(minha opnião não é duvidosa)
    Amo você

    ResponderExcluir